FACE CANÔNICA E LINGUÍSTICA
Quando nos aprofundamos neste tema somos obrigados a usarmos certos
termos que parecem estranhos aos leigos, mas é necessário usá-los já que
precisamos de exatidão para abordarmos um tema que apresenta tantas
controvérsias ao longo dos anos. A palavra semítica QANEH, “cana”, é a origem do termo cânon, que
era uma vara para medição e passou a ter o sentido no grego de “fio condutor,
norma, regra”. Somente no século IV o conceito foi aplicado áquela lista de livros
considerados como autênticos e sagrados pelo Concílio de Laodicéia (360). Foi a
igreja romana que fez a identificação entre o cânon e a Bíblia. Antes deste
termo ter sido adotado, nos escritos de Filon de Alexandria e Flávio Josefo
aplicava-se a expressão “Sagradas Escrituras” para os livros do Antigo
Testamento. O cânon do A.T. que se impôs de modo geral se compõe de três partes
segundo a tradição judaica: A Lei (Torah) - Profetas (Nebiim) - Livros Poéticos
e Didáticos ( Ketubim)
Desde
o século VIII d.C., a segunda parte foi subdividida em primeiros profetas e
profetas posteriores. Outros livros religiosos que ficaram de fora do cânon judaico são chamados pelos cristãos
protestantes de apócrifos (secretos, ocultos) , mas os católicos a eles se
referem como deuterocanônicos, algo como uma segunda lista de livros sagrados.
Observe o quadro abaixo:
Terminologia Protestante
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Título dos Livros
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Terminologia Católica
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Apócrifos
(ocultos, secretos)
Livros que não estão na Bíblia dos
grupos advindos da reforma protestante.
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Tobias
Judite
1 Macabeus
2 Macabeus
Sabedoria de Salomão
Eclesiástico
Baruc
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Deuterocanônicos
Fazem parte da Bíblia católica
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Apócrifos
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Salmos de Salomão
Enoque (versão etíope e eslava)
Livros dos Jubileus
Ascensão de Moisés
Os Doze Patriarcas
3 Esdras
4 Esdras
O Martírio de Isaías
|
Apócrifos
Pseudo-epígrafos
(De falsa autoria)
|
Estes livros não são aceitos como
canônicos pelos dois grupos.
|
Nota: Os sete livros que fazem parte da lista dos
deuterocanônicos para os católicos, foram efetivados a partir do Concílio de
Trento (1546).
ORIGEM DO CÂNON
O
conceito tradicional a respeito da origem dos livros sagrados surge pela
primeira vez em Flávio
Josefo (95 d.C.), onde ele diz que os judeus possuem vinte e
dois livros fidedignos, em seu estado primitivo, os quais apresentam as
seguintes características:
a) Provêm de homens inspirados que viveram no período
que se estende de Moisés até Artaxerxes I (465-424 a.C.);
b) Distinguem-se da literatura profana pelo caráter
sagrado de seu conteúdo;
c) São numericamente limitados;
d) Não se pode tocar no seu conteúdo.
Segundo Esdras IV 14:18-48; (100 d.C.), o Cânon foi criado por ele e é
datado da época do exílio na Babilônia: durante 40 dias ele ditou aos seus
auxiliares copistas os livros sagrados que teriam sido destruídos por ocasião
da destruição do templo de Jerusalém. Eles escreveram 24 livros e mais setenta
outros destinados apenas aos sacerdotes. O aparecimento do Cânon percorreu um
longo processo no qual se pode
distinguir três estágios:
a) A tradição oral.
b) O trabalho de compilação dos escritos sagrados em
tempos remotos.
c) A formação desta lista canônica que se efetivou por
tradição.
O pressuposto
para a formação desta lista de livros sagrados é a crença que Deus se expressa
na palavra humana e por isso determinadas palavras humanas representam a
palavra de Deus, podendo reivindicar para si uma autoridade divina e valor
normativo. Até por volta do ano 190
a.C., ainda não se havia chegado á formação de um Cânon hebraico propriamente dito.
Não
há uma acordo entre os estudiosos da
origem do Cânon hebraico se de fato houve uma transmissão oral de
geração á geração. Com relação ao Gênesis sabemos que seus mitos estão
presentes nos registros babilônicos e acesso á eles os judeus tiveram por
ocasião do exílio, mas os persas, caldeus e indianos contavam com mitos
semelhantes. É bom lembrar que os hebreus dividiram um mesmo período histórico
com povos muito mais aculturados, não só na mesopotâmia como depois na
Palestina, onde os fenícios já possuíam na época uma escrita estruturada e
outros conhecimentos técnicos avançados na navegação, astronomia, fabricação de
tinta etc.
O CÂNON SAMARITANO
Os
samaritanos, depois da divisão da
Samaria pelos assírios em províncias, separaram-se do judaísmo de Jerusalém e formaram uma comunidade
própria com o seu centro de culto no monte Gerizim, perto de Siquém. O
cânon desta comunidade contém além dos
cinco livros da Torah (lei), uma versão da História de Moisés.
AS LÍNGUAS DO ANTIGO TESTAMENTO
A
maior parte do A. T. foi escrito na sua maior parte em hebraico, somente partes
do livro de Ester (4:7; 6:18;), e Daniel (2:4-7; 7:28;) foram escritas em
aramaico. Estas duas línguas pertencem ao grupo linguístico semítico. Veja o
quadro:
Grupo Linguístico Semitico
|
|||
Norte da Mesopotâmia
|
Sul da Mesopotâmia
|
||
Nordeste
|
Noroeste
|
Sudeste
|
Sudoeste
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Acádico
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Aramaico
Cananeu
Fenício - Hebraico
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Árabe
|
Etíope
|
Leia
este verso bíblico: “Um arameu errante
era o meu progenitor e desceu ao Egito e ali se estabeleceu como estrangeiro,
com um pequeno grupo de pessoas; mas aí tornou-se uma grande nação, poderosa e
numerosa.” Dt 26:5;
O
arameu errante deste texto é Jacó que entrou no Egito com toda a sua família: “Tomaram o seu gado e os seus bens que
tinham adquirido na terra de Canaã e vieram para o Egito, Jacó e toda a sua
descendência com ele” (Gn 46:6;). O
dialeto arameu daqueles primeiros israelitas se transformou ao longo dos séculos
em uma outra língua no Egito,
assimilando termos e expressões nativas. Após o êxodo, ao penetrarem na
Palestina eles se defrontaram com a forte influência fenícia em toda a região,
na época um povo muito mais aculturado. Assim os israelitas veem a sua língua
sofrer novas modificações e daí surge a língua hebraica antiga. Lembro que os
alfabetos latino (a, b, c, d...), grego
(Alpha, Beta, Gama, Delta...) e hebraico
(Aleph, Beth, Guimel, Daleth...) são todos
de origem fenícia, o que cristaliza
a forte influência desta cultura no mundo antigo.
A
destruição do reino de Jerusalém em 586 a.C., não só modificou o mapa do país como
desferiu um duro golpe na língua hebraica. Os judeus deixaram-na de usar como
língua corrente e adotaram em seu lugar o aramaico do império que os dominava,
por isso os textos em aramaico são posteriores ao exílio judeu na Babilônia.
Assim, Jesus também não falou hebraico, visto que já pelo ano 300 a.C., muito poucos judeus
conheciam a sua língua de origem. Conclui-se então que não é correto pensarmos
que o hebraico é a língua mais antiga do povo de Israel, visto que como o texto
bíblico acima demonstra as tribos originariamente já falavam um dialeto
aramaico.
OS ESCRITOS DE MOISÉS
Os
livros fundamentais em que se acham expostos parte de seus escritos são os livros “Sepher Mosheh
– Pentateuco”. O grande libertador dos
israelitas, que tinha penetrado no santuário do Egito e foi iniciado nos
mistérios, escreveu os seus livros em estilo simbólico, servindo-se da língua
egípcia. Esta língua, porém, que havia chegado a um alto grau de perfeição, não
pôde conservar a sua pureza nas mãos de um povo grosseiro que passava a vida
como nômade nos desertos da Iduméia.
Moisés sabia o que poderia acontecer ao seu livro e as falsas
interpretações que lhe dariam no decorrer dos tempos, por isso confiou as
chaves para interpretação da sua obra a homens confiáveis, cuja fidelidade era
comprovada, dando-lhes de viva voz os esclarecimentos para a compreensão da lei
(Torah). Os discípulos de Moisés confiaram estes ensinos secretos a outros
homens que, transmitindo-os, por sua vez, de geração em geração, fizeram com
que chegassem a posteridade mais longínqua. Esta doutrina secreta ou esotérica,
que se conservou até hoje, para os rabinos é a Cabala. Na época em que Moisés existia, o
templo de Tebas – capital do reino – continha arquivos históricos muito
importantes.
Moisés foi iniciado em todas as ciências egípcias. Assim, a tradição oral que o célebre
legislador deixou aos setenta eleitos, continha os pontos essenciais de todas
as tradições que haviam aparecido no globo terrestre. Admite-se entre os
estudiosos dos mistérios da humanidade, que os livros de Moisés foram escritos
em caracteres “vattam”,( alfabeto semita antigo) e
que, mais tarde – no século VI antes de Cristo – Esdras os substituiu pelos
caracteres hebraicos quadrados. Moisés entregou a Josué as chaves da tradição
oral, mas não foi na tribo sacerdotal de Levi que foram conservadas, mas sim
nas comunidades leigas de profetas e videntes, das quais a mais notável foi a
dos “essênios”. Para que os textos se
conservassem inalterados, os seus copiadores deveriam observar certas regras
fixas sobre a maneira de ler e escrever, as quais faziam parte de uma longa
tradição que chamava-se de “Massorah”. Os livros de Moisés eram lidos
publicamente ao povo aos sábados, os comentários que se faziam de forma oral,
mais tarde foram escritos e assim foi formada uma literatura escolástica,
conhecida sob o nome de “Talmud”, que consta de quatro partes:
1) Mishnah - Tradição primitiva de Moisés e dos grandes profetas que tratava das festas, do matrimônio, das ofertas sagradas e
das purificações.
2) Ghemarah – Um verdadeiro compêndio de jurisprudência.
3) Midrashin e Targumim
– Comentários e paráfrases.
4) Thosiphtah – Suplementos.
O
que chamamos de Massorah é o corpo da tradição que se perpetuou na cultura
hebraica, tratando de tudo o que se refere a forma escrita e
interpretativa da Bíblia Hebraica. O
Talmud representa a vida, seu objetivo é a jurisprudência, os costumes,
as cerimônias, e as relações sociais. A Cabala ou a doutrina secreta, é a
alma e o espírito da tradição, é a sua
parte religiosa e filosófica.
Vejam o
que disse o Dr. F. V. Lorenz, um profundo conhecedor da tradição judaica no seu
livro “A Cabala”: “Moisés escreveu a sua obra em estilo simbólico como era
costume dos antigos iniciados. Ele
deixou para a compreensão do seu livro
explicações orais que foram esquecidas, com raras exceções, pelos exegetas posteriores. Com o
decorrer dos séculos, mudou-se o caráter da língua do povo hebreu,
misturando-se com elementos estrangeiros, de
maneira que, 300 anos antes da era cristã, os judeus não compreendiam
mais a língua de Moisés, usando um dialeto sírio-arameu. O conhecimento do
verdadeiro sentido esotérico ou oculto somente permaneceu entre os essênios. A
tradução Septuaginta, é tida como a primeira tradução da Bíblia Hebraica para o
grego.”
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