segunda-feira, 26 de junho de 2017

LIÇÃO 2 - COMO A BÍBLIA CHEGOU ATÉ NÓS


FACE CANÔNICA E LINGUÍSTICA

        Quando nos aprofundamos neste tema somos obrigados a usarmos certos termos que parecem estranhos aos leigos, mas é necessário usá-los já que precisamos de exatidão para abordarmos um tema que apresenta tantas controvérsias ao longo dos anos. A palavra semítica  QANEH, “cana”, é a origem do termo cânon, que era uma vara para medição e passou a ter o sentido no grego de “fio condutor, norma, regra”. Somente no século IV o conceito foi aplicado áquela lista de livros considerados como autênticos e sagrados pelo Concílio de Laodicéia (360). Foi a igreja romana que fez a identificação entre o cânon e a Bíblia. Antes deste termo ter sido adotado, nos escritos de Filon de Alexandria e Flávio Josefo aplicava-se a expressão “Sagradas Escrituras” para os livros do Antigo Testamento. O cânon do A.T. que se impôs de modo geral se compõe de três partes segundo a tradição judaica:   A Lei  (Torah) - Profetas (Nebiim) - Livros Poéticos e Didáticos ( Ketubim)

       Desde o século VIII d.C., a segunda parte foi subdividida em primeiros profetas e profetas posteriores. Outros livros religiosos que ficaram de fora do  cânon judaico são chamados pelos cristãos protestantes de apócrifos (secretos, ocultos) , mas os católicos a eles se referem como deuterocanônicos, algo como uma segunda lista de livros sagrados. Observe o quadro abaixo:

Terminologia Protestante
        Título dos Livros
Terminologia Católica
        
Apócrifos
(ocultos, secretos)

Livros que não estão na Bíblia dos grupos advindos da reforma protestante.             

Tobias
Judite
1 Macabeus
2 Macabeus
Sabedoria  de Salomão
Eclesiástico
Baruc


Deuterocanônicos

Fazem parte da Bíblia católica





Apócrifos



Salmos de Salomão
Enoque (versão etíope e eslava)
Livros dos Jubileus
Ascensão de Moisés
Os Doze Patriarcas
3 Esdras
4 Esdras
O Martírio de Isaías




Apócrifos

Pseudo-epígrafos
(De falsa autoria)





Estes livros não são aceitos como canônicos pelos dois grupos. 



Nota: Os sete livros que fazem parte da lista dos deuterocanônicos para os católicos, foram efetivados a partir do Concílio de Trento (1546).

ORIGEM DO CÂNON
        O conceito tradicional a respeito da origem dos livros sagrados surge pela primeira vez em Flávio Josefo (95 d.C.), onde ele diz que os judeus possuem vinte e dois livros fidedignos, em seu estado primitivo, os quais apresentam as seguintes características:

a)    Provêm de homens inspirados que viveram no período que se estende de Moisés até Artaxerxes I (465-424 a.C.);
b)    Distinguem-se da literatura profana pelo caráter sagrado de seu conteúdo;
c)    São numericamente limitados;
d)    Não se pode tocar no seu conteúdo.

         Segundo Esdras IV 14:18-48; (100 d.C.), o Cânon foi criado por ele e é datado da época do exílio na Babilônia: durante 40 dias ele ditou aos seus auxiliares copistas os livros sagrados que teriam sido destruídos por ocasião da destruição do templo de Jerusalém. Eles escreveram 24 livros e mais setenta outros destinados apenas aos sacerdotes. O aparecimento do Cânon percorreu um longo processo  no qual se pode distinguir três estágios:

a)    A tradição oral.
b)    O trabalho de compilação dos escritos sagrados em tempos remotos.
c)    A formação desta lista canônica que se efetivou por tradição.

        O pressuposto para a formação desta lista de livros sagrados é a crença que Deus se expressa na palavra humana e por isso determinadas palavras humanas representam a palavra de Deus, podendo reivindicar para si uma autoridade divina e valor normativo. Até por volta do ano 190 a.C., ainda não se havia chegado á formação de um  Cânon hebraico propriamente dito.
        Não há uma acordo entre os estudiosos da  origem do Cânon hebraico se de fato houve uma transmissão oral de geração á geração. Com relação ao Gênesis sabemos que seus mitos estão presentes nos registros babilônicos e acesso á eles os judeus tiveram por ocasião do exílio, mas os persas, caldeus e indianos contavam com mitos semelhantes. É bom lembrar que os hebreus dividiram um mesmo período histórico com povos muito mais aculturados, não só na mesopotâmia como depois na Palestina, onde os fenícios já possuíam na época uma escrita estruturada e outros conhecimentos técnicos avançados na navegação, astronomia, fabricação de tinta etc.          

O CÂNON SAMARITANO

        Os samaritanos,  depois da divisão da Samaria pelos assírios em províncias, separaram-se  do judaísmo de Jerusalém e formaram uma comunidade própria com o seu centro de culto no monte Gerizim, perto de Siquém. O cânon  desta comunidade contém além dos cinco livros da Torah (lei), uma versão da História de Moisés.  

AS LÍNGUAS DO ANTIGO TESTAMENTO

        A maior parte do A. T. foi escrito na sua maior parte em hebraico, somente partes do livro de Ester (4:7; 6:18;), e Daniel (2:4-7; 7:28;) foram escritas em aramaico. Estas duas línguas pertencem ao grupo linguístico semítico. Veja o quadro:


Grupo Linguístico Semitico
Norte da Mesopotâmia
Sul da Mesopotâmia
Nordeste
Noroeste
Sudeste
Sudoeste
Acádico
Aramaico
Cananeu


  Fenício - Hebraico
Árabe
          Etíope
  
        Leia este verso bíblico: “Um arameu errante era o meu progenitor e desceu ao Egito e ali se estabeleceu como estrangeiro, com um pequeno grupo de pessoas; mas aí tornou-se uma grande nação, poderosa e numerosa.” Dt 26:5; 

        O arameu errante deste texto é Jacó que entrou no Egito com toda a sua família: “Tomaram o seu gado e os seus bens que tinham adquirido na terra de Canaã e vieram para o Egito, Jacó e toda a sua descendência com ele” (Gn 46:6;).  O dialeto arameu daqueles primeiros israelitas se transformou ao longo dos séculos em uma outra língua no Egito,  assimilando termos e expressões nativas. Após o êxodo, ao penetrarem na Palestina eles se defrontaram com a forte influência fenícia em toda a região, na época um povo muito mais aculturado. Assim os israelitas veem a sua língua sofrer novas modificações e daí surge a língua hebraica antiga. Lembro que os alfabetos  latino (a, b, c, d...), grego (Alpha, Beta, Gama, Delta...) e  hebraico (Aleph, Beth, Guimel, Daleth...) são todos  de origem fenícia, o que cristaliza  a forte influência desta cultura no mundo antigo.
        A destruição do reino de Jerusalém em 586 a.C., não só modificou o mapa do país como desferiu um duro golpe na língua hebraica. Os judeus deixaram-na de usar como língua corrente e adotaram em seu lugar o aramaico do império que os dominava, por isso os textos em aramaico são posteriores ao exílio judeu na Babilônia. Assim, Jesus também não falou hebraico, visto que já  pelo ano 300 a.C., muito poucos judeus conheciam a sua língua de origem. Conclui-se então que não é correto pensarmos que o hebraico é a língua mais antiga do povo de Israel, visto que como o texto bíblico acima demonstra as tribos originariamente já falavam um dialeto aramaico.

OS ESCRITOS DE  MOISÉS

          Os livros fundamentais em que se acham expostos parte de  seus escritos são os livros “Sepher Mosheh –  Pentateuco”. O grande libertador dos israelitas, que tinha penetrado no santuário do Egito e foi iniciado nos mistérios, escreveu os seus livros em estilo simbólico, servindo-se da língua egípcia. Esta língua, porém, que havia chegado a um alto grau de perfeição, não pôde conservar a sua pureza nas mãos de um povo grosseiro que passava a vida como nômade nos desertos da Iduméia.
         Moisés sabia o que poderia acontecer ao seu livro e as falsas interpretações que lhe dariam no decorrer dos tempos, por isso confiou as chaves para interpretação da sua obra a homens confiáveis, cuja fidelidade era comprovada, dando-lhes de viva voz os esclarecimentos para a compreensão da lei (Torah). Os discípulos de Moisés confiaram estes ensinos secretos a outros homens que, transmitindo-os, por sua vez, de geração em geração, fizeram com que chegassem a posteridade mais longínqua. Esta doutrina secreta ou esotérica, que se conservou até hoje, para os rabinos é a Cabala. Na época em que Moisés existia, o templo de Tebas – capital do reino – continha arquivos históricos muito importantes.
        Moisés foi iniciado em todas as ciências egípcias.  Assim, a tradição oral que o célebre legislador deixou aos setenta eleitos, continha os pontos essenciais de todas as tradições que haviam aparecido no globo terrestre. Admite-se entre os estudiosos dos mistérios da humanidade, que os livros de Moisés foram escritos em caracteres “vattam”,( alfabeto semita antigo) e que, mais tarde – no século VI antes de Cristo – Esdras os substituiu pelos caracteres hebraicos quadrados. Moisés entregou a Josué as chaves da tradição oral, mas não foi na tribo sacerdotal de Levi que foram conservadas, mas sim nas comunidades leigas de profetas e videntes, das quais a mais notável foi a dos “essênios”.  Para que os textos se conservassem inalterados, os seus copiadores deveriam observar certas regras fixas sobre a maneira de ler e escrever, as quais faziam parte de uma longa tradição que chamava-se de “Massorah”. Os livros de Moisés eram lidos publicamente ao povo aos sábados, os comentários que se faziam de forma oral, mais tarde foram escritos e assim foi formada uma literatura escolástica, conhecida sob o nome de “Talmud”, que consta de quatro partes:
1)    Mishnah - Tradição primitiva de Moisés e dos grandes profetas que tratava das  festas, do matrimônio, das ofertas sagradas e das purificações.
2)    Ghemarah – Um verdadeiro compêndio de jurisprudência.
3)    Midrashin e Targumim – Comentários e paráfrases.
4)    Thosiphtah – Suplementos.
         O que chamamos de Massorah é o corpo da tradição que se perpetuou na cultura hebraica, tratando de tudo o que se refere a forma escrita e interpretativa  da Bíblia Hebraica. O Talmud representa a vida, seu objetivo é a jurisprudência, os costumes, as cerimônias, e as relações sociais. A Cabala ou a doutrina secreta, é a alma  e o espírito da tradição, é a sua parte religiosa e filosófica.     
       Vejam o que disse o Dr. F. V. Lorenz, um profundo conhecedor da tradição judaica no seu livro “A Cabala”: “Moisés escreveu a sua obra em estilo simbólico como era costume dos antigos iniciados. Ele  deixou  para a compreensão do seu livro explicações orais que foram esquecidas, com raras  exceções, pelos exegetas posteriores. Com o decorrer dos séculos, mudou-se o caráter da língua do povo hebreu, misturando-se com elementos estrangeiros, de  maneira que, 300 anos antes da era cristã, os judeus não compreendiam mais a língua de Moisés, usando um dialeto sírio-arameu. O conhecimento do verdadeiro sentido esotérico ou oculto somente permaneceu entre os essênios. A tradução Septuaginta, é tida como a primeira tradução da Bíblia Hebraica para o grego.”






















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